sábado, 30 de julho de 2016

UMA NOVA ERA

Estava comendo quando foi tomado por alguns devaneios... Lembrou da época em que as pessoas usavam a Internet. Todas vidradas olhando para os seus dispositivos de comunicação e os dedos frenéticos bailando sobre a tela, digitando suas incontáveis conversas, posts, reclamações, tweets e etc.
Diziam que ninguém se falava mais. Que todos ignoravam todos. Que, finalmente, a individualidade prevalecera... Mal sabiam que quando viessem a Era das Trevas isso seria muito pior.
Tão logo a energia se foi - consequentemente, a Internet também -, as pessoas caíram em um turbilhão de emoções. Depressão, medo, fraqueza, loucura e raiva. Muita raiva. Agiam com fúria. E precisavam descarregar toda aquela frustração de terem sido privados da vida conectada. A violência se fez presente em quase todos os lugares.
Alguns "heróis" tentaram criar meios de resolver isso, utilizando energias alternativas, renováveis, nucleares... Mas falharam. Algo inexplicável aconteceu e nenhum tipo de energia durava. Como mágica, ou maldição, os mecanismos eletrônicos não funcionavam. Foi cogitada a possibilidade de voltar a Era a Vapor e os entusiastas de um certo estilo vibraram achando que iriam ver seus sonhos virando realidade. Mas isso também não aconteceu. Energia alguma durava, sustentava, funcionava. E isso só piorava os ânimos. As pessoas queriam explicações, mas com as comunicações paradas, todas as informações que circulavam eram incompletas, incertas e por vezes, mentirosas.
Óbvio que algumas pessoas se aproveitavam de outras para tomar vantagem.
Falsos profetas surgiram aos borbotões. Por sorte, muitos deles foram degolados quando não conseguiram suprir toda necessidade que o povo desejava. A humanidade havia tomado um rumo que parecia não se importar aonde iria chegar.
Um outro grupo, tentando a todo custo não ser comparado com aqueles – e isso se dava muito mais pelo desejo elitista de “ser diferente” do que com a preocupação pelo ser humano –, conseguiu criar uma regra que logo foi adotada. Para mostrar que ainda eram da Era da Tecnologia, que não importava a ausência dela, foi decidido que todos deveriam manter o hábito de agitar os polegares como se estivessem com um objeto eletrônico nas mãos e o manipulassem. Aquelas pessoas que se sentiam muito idiotas por fazer isso, seguravam algo para emular um aparelho. Outros, não. Defendiam a ideia de que não era o aparelho (nem a Tecnologia) que os fazia civilizados, portanto, agitariam os dedos sim (afinal, não queriam ser excluídos), mas sem nada em mãos. Diziam até que era mais chique.
Essa ideia se espalhou de tal forma que, em pouco tempo, era possível ver as pessoas por todos os lugares com mãos vazias (ou não) e os dedos agitando no ar.
Os debochados passaram a chamar essas pessoas de "tamboriladores" ou, logo depois, de "tambor" (a medida que o tempo foi passando e a necessidade ou vontade de se comunicar ficando mais escassa). E o apelido pegou tão rápido quanto o ato de tamborilar.
As pessoas levavam tão a sério a necessidade de mexer os dedos que com o tempo, aquilo já acontecia naturalmente. Os que nasceram já sob o signo da Escuridão, desde cedo aprendiam a agitar os dedos, mesmo sem ter ideia do porquê faziam aquilo. Era tão natural quanto respirar.
Entre aqueles que degolavam pessoas e faziam justiça com as próprias mãos, mais conhecidos como Bárbaros, também discutiu-se a validade de tamborilar. Alguns achavam um absurdo e propunham decepar os dedos daquele que fizesse isso. Porém, muitos achavam que isso era extremismo (parece que degolar pessoas, não!) e decidiram apenas por excluir de sua nova sociedade as pessoas que insistiam em viver do passado. Então, surgiu uma variação de bárbaros, os Bárbaros Tambor.
Na verdade, para cada desentendimento, um grupo quando não era dizimado, era excluído e, assim, nascia uma nova ordem. Nomes e mais nomes foram surgindo.
Reis, imperadores, presidentes ou ditadores apareciam com o nascer do Sol e caíam antes mesmo que este chegasse ao Oeste.
De repente, ninguém mais queria ser líder. Porém, todos queriam ser liderados, pois não sabiam o que fazer. Em um momento ou outro, era inevitável surgir um. Mas nunca se mantinha por muito tempo. O povo era instável. Não sabia viver sem regras, mas cada vez que aparecia alguém disposto a segui-las, logo era retirado cargo. Isso foi acontecendo com mais e mais frequência.
E assim, a humanidade passou a viver cada vez mais em grupo menores. Laços de sangue ou sentimentos não eram motivos para manter as pessoas próximas. Toda divergência era resolvida com luta, agressões, exclusão ou a morte.
Fugindo uns dos outros, escondiam-se nos esgotos, topos de árvores, buracos... E mesmo aqueles que viviam em grupos, quase não se falavam, se olhavam e, menos ainda, se tocavam.
A fala foi praticamente reduzida a rosnados.
Já não viviam com regras, apenas instinto. Respirar, comer, beber, defecar, guerrear, matar, procriar e tamborilar.
Finalmente, a Humanidade tomou sua real forma: bichos.

Enquanto ele comia, e lembrava das pessoas quando ainda não eram selvagens, ou não se mostravam como tal, até sentiu saudade. Ele era um dos poucos antigos. Daqueles que viveu uma época que quase ninguém lembrava mais. Daria tudo para ver as pessoas com seus dedos em movimentos frenéticos sobre uma tela luminosa e sorrindo para o vazio, como antigamente.
Mas, agora, tudo aquilo não passava de um passado, não muito distante, porém, impossível de ser revivido. Ele terminou de comer o rato que capturara com tanta dificuldade, inspirou fundo e se preparava para voltar para a sua toca. Não era seguro ficar exposto naquele lugar.

Seguiu seu caminho e nem percebeu que seus dedos – sujos de sangue – já não tamborilavam mais.

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