domingo, 10 de agosto de 2014

UMA TOADA PARA O MEU PAI*


Quais formas um pai pode transmitir seus conhecimentos para o seu filho e externar todo o seu amor? Como fazer para ter êxito em uma tarefa tão complexa e que se estende por tanto anos?
Há aqueles pais ausentes por necessidade, que tem que prover o lar, mesmo que isso signifique, praticamente, não parar em casa. Há os que não percebem que estão sendo displicentes com o que mais importa e nunca param para olhar que tipo de exemplo estão dando. Ou, até mesmo os pais que carregam junto de si muito Amor, mas são de poucas palavras e não sabem como e nem quando falar.
Sem contar todas as outras dúvidas que surgem do momento que sabe que será pai até o fim de tudo.
Como acompanhar o crescimento dos filhos? Quais conselhos dar? Como deixar claro tudo o que sente por eles? O que verdadeiramente de valor ele vai deixar para suas crianças?
São tantas questões que o persegue durante a formação do filho que, acredito, é inevitável não perceber onde acerta e onde erra. É uma constante corda bamba da Vida.

Quando penso na minha relação com o meu pai, lembro que poucos foram os nossos momentos de "conversa" entre pai e filho. As lições que aprendi dele, geralmente, foram mais com suas atitudes do que com seu discurso. Não que ele não me aconselhasse, mas sempre foi um homem de poucas palavras [e, também, era do tipo que trabalhava muito e mal parava em casa]. Porém, suas ações [positivas, austeras, honestas], essas sim, eram exemplos fortíssimos. E sempre foram fonte de inspiração para o tipo de pessoa que eu queria me tornar. Ele era um modelo a seguir.
No entanto, Amor, cuidado, carinho, foram-me ensinados de outra forma: Através de canções.
Não músicas com lição de moral e etc. Apenas músicas. Na verdade, não eram nem as canções em si, mas todo o processo que se dava para ouvi-las:
Nós deitávamos na rede, então, ele começava a cantar músicas bem antigas. Em sua maioria eram hinos religiosos, principalmente, exaltando Nossa Senhora. Aí, ele deixava de ser o homem de poucas palavras e falava muito. Ou melhor, cantava muito... Muitas e muitas músicas. Por vezes, o repertório era repetido, mas isso não me incomodava. Aliás, eu até tinha minhas músicas preferidas e pedia que cantasse novamente só para demorar mais tempo aquela ocasião...
E assim era o nosso momento "pai e filho". Sem conversa. Apenas deitados, a rede balançando e meu pai cantando. Era dessa forma que passávamos o nosso tempo juntos.
Ali, se encontrava todo o carinho do mundo e, mesmo que ele não dissesse que me amava, demonstrava claramente.
Isso também acontecia quando eu estava doente. Tinha um efeito reconfortante ouvi-lo cantar para mim.
Por sinal, há uma coisa que não muda: ainda hoje quando me sinto triste, tenho vontade de pedir a ele para deitarmos na rede e que cante algo para que eu encontre o conforto que preciso.
O Amor tem dessas. Por mais que estejamos acostumados a declarações verbalizadas de sentimentos, ele, o Amor, pode fazer-se presente em pequenas ações. Seja uma música para ninar, um cafuné despretensioso ou um breve momento de brincadeira.

Acredito que o seu propósito de ser o melhor pai que podia foi alcançado com êxito. Eu e meus irmãos nos orgulhamos dele. E já posso ver em um dos meus irmãos - que tem dois filhos - repetirem-se os passos do meu velho.
Meu pai, sem compreender a dimensão de tudo aquilo, se fazia presente em nossas Vidas e, muito além de um eco dele mesmo, tínhamos vibrando em nós o seu Amor. Mais do que uma continuidade de sua carga genética, nós, seus filhos, nos tornávamos um ser melhor e único.

Ser Pai é tarefa exigente. E nem sempre tão reconhecida quanto ser Mãe. Mas um bom Pai está sempre ali, guiando, ensinando e apontando o melhores caminhos. O Pai se esforça para que a Vida seja leve sobre os ombros de seus filhos.
Como a Vida não é estática, ao contrário, ela é dinâmica e pulsante, às vezes, os filhos escolhem caminhos que um pai não aconselharia. Falham, são tomados pelo orgulho, mas, assim como o "Filho Pródigo", precisam viver a experiência do erro por eles mesmos para reconhecerem a sabedoria que, em determinado momento da Vida teimam em rejeitar.
Aí, por mais que queiramos não seguir os conselhos e exemplos, por mais que queiramos não ser uma cópia de nossos pais, mais adiante, percebemos que, na verdade, só tememos não sermos tão bons quanto eles.
Porém, inevitavelmente, isso será posto a prova, pois há aquele momento amedrontador que é quando o filho se torna pai de seu próprio pai.
O homem outrora firme e "indestrutível" faz-se frágil diante do filho.
Aquele que, te carregou nos braços, precisará dos seus braços para andar. Passos lentos substituindo o lugar dos passos firmes. Parece que está em uma constante batalha contra o vento, e este, insiste em vencer.
A partir de então, as tarefas mais simples serão os maiores desafios para aquele corpo cansado. Todo o cuidado que ele teve com o filho, agora, o filho terá com ele.
Provavelmente aí, apesar da dor, seja o momento de maior comunhão entre Pai e Filho. Se entendem como um só. Como Pai.

Ainda estou longe de me tornar pai de meu pai e, confesso, temo não cumprir com louvor esse ofício. Não sei se conseguirei ser uma fortaleza para ele, assim como ele foi para mim. No entanto, guardo comigo todas as canções partilhadas por ele. E me esforçarei para dar-lhe conforto e música.
Afinal, "É um bom tipo, o meu velho..."



(*) TEXTO ESCRITO PARA A REVISTA "FAMÍLIA CRISTÃ". EDIÇÃO DE AGOSTO DE 2014.