sábado, 1 de junho de 2013

INFERNO ASTRAL

Quando dei por mim, já estava diante de uma caverna. Lembro quase nada do acidente... Apesar do intenso calor e um rosnado assustador que vinha de dentro, uma força invisível me impelia a seguir. Parei em frente a um imenso portal com um letreiro no alto: Primeiro Círculo do Inferno.

O Portal abriu-se. O calor aumentou e o rosnado também. Um pequeno diabo veio em minha direção, deu-me as boas-vindas e disse-me que ali seria o meu lugar, onde ficaria por toda a eternidade. Disse-me também que a partir de então, teria uma tarefa. Quando questionado por mim sobre o que seria essa tarefa o encarnado assobiou longa e agudamente. Ao fim do assobio, percebi que havia chamado o emissor do rosnado assustador.

Mesmo que me fosse permitido sair do Inferno, não conseguiria, pois estava paralisado. Não era somente o fato de ser um animal de uns dez metros de altura, com corpo de cachorro e possuir três cabeças. Mas sim, de que em cada cabeça, ao invés de ser a cabeça de um cachorro [em consonância com o corpo], na verdade, eram as cabeças das minhas três ex-esposas! E as três cabeças falavam ao mesmo tempo. Reclamando! Cada uma em seu momento mais insuportável.

Marcela, a primeira esposa, queixava-se de que nós não saíamos o tanto quanto ela queria. Que eu não ganhava o bastante para sustentar os seus “pequenos” luxos. E precisava de mais roupas e joias.
Adriana, a segunda, gritava que estava sentindo o cheiro de outra mulher em mim. “Perfume barato”, berrava. E queria saber quem era a sirigaita [ela ainda usa esse termo?!] com quem eu estava. Falava também que eu não pensava em outra coisa senão traí-la.
Ursula, a última, chorava e entre soluços acusava-me de não dar a devida atenção que ela merecia. Que minha indiferença a magoava. Preferia meus amigos a ela. E sabia que nunca a amei.

Ouvindo essas três cabeças no corpo de um cachorro [animal que nunca gostei!], dei-me conta que acabara de deparar-me com meu maior pesadelo. Só que a situação era bem pior, pois eu não estava dormindo para ser um pesadelo e conforme informara-me o maldito diabrete, eu ficarei aqui por todo o sempre.

O infeliz deu-me uma coleira tripla presa a uma única alça e também uma vara. Explicou que a tarefa seria colocar a coleira na fera. Desejou-me sorte e saiu.

O imenso monstro olhou-me bem fundo nos olhos e, nesse momento, percebi que as três tinham o mesmo olhar. Fiquei imaginado se todas as outras mulheres também eram parecidas. Tentei lembrar de Alice [minha atual namorada – quando eu era vivo, é claro!], mas não consegui mais do que um par de olhos brilhando porque estava diante daquela bolsa de grife modelo único. Esforcei-me um pouco mais e recorri à Leandra [primeira namorada], mas tudo que lembrei foi que seus olhos estavam sempre vermelhos – não parava de se drogar um instante –, e só falava que éramos a esperança para mudar o país.

Enquanto eu divagava, o Cérbero-Ex-Esposas se aproximou. Ergui a vara e elas [ele?] pararam de chofre. Pensei então que não seria tão difícil assim executar tal empresa. Mas ao ver a coleira, voltaram os gritos, reclamações e choros. O que, misturado, mais parecia com um rosnado demoníaco.

Antes que eu percebesse, Marcela abocanhou-me [sempre a mais ávida por destruir-me das três!]; e em seguida Ursula arrancou-me o braço esquerdo; e com sua bocarra com imensos dentes à mostra, Adriana desferiu um golpe violento contra mim. Em seguida, as três mordiam-me ao mesmo tempo e meu último pensamento foi se eu poderia morrer. Depois tudo ficou escuro. Achei que estivesse morrendo – novamente.

Acordei sendo atingido por uma vara veloz e impiedosa. Era o maldito diabrete quem dava as varadas. Reclamava que não podia estar dormindo enquanto ainda tinha uma tarefa a cumprir. Foi quando dei-me conta que estava com o corpo reconstituído. Aquilo pareceu ser normal ao diabrete, pois ele não deu a mínima e mandou-me ir atrás do cruel monstro e colocar-lhe a coleira. Fui.

Não andei muito e encontrei a besta. Esta, por sua vez, quando viu-me, tinha os três pares de olhos brilhando de satisfação e malícia. Correu em minha direção e novamente lá estava eu em sua boca. Ou melhor, em suas bocas.

Fui estraçalhado outra vez. “Morri” outra vez.

Acordei e meu corpo estava mais uma vez intacto. Foi então que entendi que isso fará parte da nossa convivência. Eu tentando adestrá-las. Elas despedaçando-me. Nada muito diferente da nossa vida conjugal e pós-divórcio...

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